Era uma vez um País apaixonado por cirurgias plásticas, redes sociais e status, que bate records de tempo online vendo e mostrando uma vida de beleza e glória. Este é o mesmo País que tem um dos piores índices de saúde mental do mundo, onde 38 pessoas tiram a própria vida por dia, 14 mil por ano, segundo dados da última pesquisa da OMS, de 2019. Estima-se que quase 100% dos casos esteja relacionado a doenças mentais, especialmente as que não tiveram tratamento adequado. É por isso que espaços de fala, escuta e alerta sobre o assunto são tão importantes, como o Setembro Amarelo.
O movimento Setembro Amarelo iniciou em 2013, momento que a Sociedade Brasileira de Psiquiatria concluiu a urgência de popularizar a discussão sobre a prevenção ao suicídio. Há séculos este assunto vem sendo considerado tabu pela equivocada constatação de que falar sobre isso causaria influência negativa às pessoas. No entanto, teoria e prática mostram cada vez mais que é falando que se cria espaço para deixar ir o que pode ser uma ameaça. Numa sociedade em que se quer que a vida possa fluir para o bem-estar, falar do sofrimento humano e acolher as vulnerabilidades é fundamental. Tristeza, ansiedade, angústia, desconforto não são inimigos, são oportunidades, e quando há cuidado, há movimento para criar transformação.
Em tempos de felicidade a todo custo, a obrigação de parecer sempre bem aprisiona. De tanto que foi preciso falar da importância de cuidar do mental, virou tendência explorar os diversos caminhos de autodesenvolvimento, mas o problema disso é que pessoas não habilitadas passaram a reproduzir conteúdos superficiais sobre o que realmente é saúde mental, instigando positividade excessiva e negligenciando o que constitui a complexidade de ser um sujeito no mundo. Ora, se prevenção é o que mais apresenta resultados, certamente a trajetória não seria breve, mas constante. Não há uma forma, um método ou um tempo para a “cura” das mazelas humanas, elas são intrínsecas à humanidade. Saúde é se dar a oportunidade de vivê-las também, continuar apesar da dor. Felicidade é trabalho duro de encarar o que não está bem e investir no que pode sustentar uma estrutura que promove bem-estar.
Saúde mental se faz com integralidade. O encontro com o sagrado de cada um na espiritualidade, o empoderamento e o equilíbrio do corpo na atividade física, o bom funcionamento do organismo na alimentação nutritiva e no descanso reparador, os laços de apoio na interação social e o auxílio dos profissionais que escutam com capacitação para contribuir com aceitação, compreensão e direcionamentos, são o alicerce de um trabalho de todos os dias, sempre um caminho e nunca só um destino. Viver bem é processo.
Já dizia Santa Tereza D’Ávila, “é justo que muito custe o que muito vale”. E isso nunca será sobre mais, e sim sobre menos. Menos atividades para haver mais qualidade em cada uma delas, menos compromissos para haver mais conexão enquanto eles acontecerem, menos cobranças para haver mais espaço de criação de sentido pessoal para a vida.
Quem decide tirar a própria vida não quer necessariamente morrer, quer aliviar sua dor. É preciso escutar e enxergar para além de ouvir e ver, dar voz para oportunizar outras saídas. Fazer valer a pena o encontro com a própria forma de viver. A vida é mesmo todo esse sentir, peça ajuda quando ficar difícil entender. Assim que puder, fale com um psicólogo ou psiquiatra. Sempre que der, fale com um amigo ou familiar. E todos os dias conte com o apoio do CVV (Centro de Valorização da vida) pelo número 188. Cuidar e cuidar-se é a prevenção.
Fonte: site oficial da campanha Setembro Amarelo https://www.setembroamarelo.com/
Francielle Iarto da Silva, psicóloga clínica e escolar em Caxias do Sul - RS, CRP 07/21165, graduada em Psicologia pela Universidade de Caxias do Sul (2012), pós-graduada em Infância e Família pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2015), pós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade de Caxias do Sul (2021).